Galeria Lewis Guy – Den Haag – 2002

Texto: Edgardo Xavier 2002

Tão disciplinada como a linguagem estética dos clássicos e tão apta a reflectir as pulsões de um artista livre e emocionado, esta pintura remete-nos para a polivalência humana em todo o seu esplendor. Exercício de apropriação de um real que se desdobra e domina, os trabalhos de Oliveira Tavares surpreendem o observador com o inesperado convívio de formas que se avultam ou diluem no magma dos seus registos.

Importa referir que é na diversidade de impulsos, cores, texturas e na multiplicidade de ritmos propiciatórios que as distintas partes da obra se articulam, como se de um puzzle se tratasse ou como se houvesse intenção de pôr em paralelo as porções heterogéneas do todo. O resultado tem a ver com o sucesso da procura de grafismos ou de elementos que estabeleçam o equilíbrio e sejam capazes de transmitir harmonia. Radica nesta dinâmica o principal da pesquisa a que se vem dedicando este artista plástico desde o seu início.

Muitas destas presenças são-nos familiares. Corpos, cabeças, rostos e mãos pertencem a outros enquadramentos e, na origem, narram histórias diferentes. Aqui são como que evocações do afecto, elegias ou meras referências que operam como pontos de partida para um novo e actual discurso, espécie de repto a que o autor responde com a sua própria caligrafia pictórica. Adequando as imagens previamente selecionadas ao clima que pretende comunicar, aceitando-as na sua força peculiar ou alterando o sentido da sua integração no presente contexto, o pintor interage com o mote para aceder a uma criatividade pessoal.

A virtude primordial desta linguagem reside, quanto a nós, no facto de coexistirem, no mesmo espaço, pelo menos duas atitudes opostas. Com efeito, oscilando entre o rigor inerente à reprodução fiel e a inquieta divagação que culmina no equilíbrio destes contrários, Oliveira Tavares a si mesmo se retrata e justifica. Ei-lo, consequentemente, em sua riqueza de sensibilidades e técnicas, seu temperamento, seu amor pela figuração e a sua apetência pela liberdade, de tradução muitas vezes gestual.

A Arte também se entende como um vasto repositório de informação e, num tal contexto, estas telas afirmam a ductilidade integradora deste caminhar de séculos em busca da unidade virtual para que tendem o passado, o presente e o futuro sempre que, ultrapassando os preconceitos, concluímos pertencer ao mesmo universo de valores. São meramente formais as diferenças quando se coloca o homem na origem e no destino do acto criador!

O cromatismo intenso que percorre as áreas dos poucos planos envolventes e a utilização de vocábulos para ler, estar ou significar, acabam por assumir plasticidades ricas que abrem para uma multiplicidade de leituras esta pintura intemporal. A obra surge-nos, assim, como algo que se irá fruindo, com crescente profundidade, como função da simples persistência do olhar.

Edgardo Xavier
Crítico de artes plásticas
A.I.C.A / Portugal
Estoril,2002

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